Iara Amina 3


Sou um sujeito experiente, mas, apesar de amadurecido pela idade carrego um tanto razoável de incertezas. Noutras palavras, um sujeito que se desespera ao ver o tempo passar cada vez mais ligeiro trazendo ainda mais dúvidas. Convicção apenas uma: sou ateu.   
Além de ser um cara vivido e meio perdido, confesso outra coisa, sou medroso. Conclusão, permitam-me, sou um velho senil e cagão.

E, exatamente por isso resolvi contar essa história. Pois, tal decisão contradiz as afirmações anteriores por dois motivos, o primeiro porque até hoje tenho a impressão de que meu encontro numa madrugada nevoenta com Iara Amina não foi algo acidental, chego a acreditar que forças sobrenaturais agiram nesse sentido, e segundo porque, apesar de me encontrar no interior de uma casa estranha, parecendo um bunker em meio a uma comunidade como o Caieiras, frente a um sujeito que parecia a Tina Turner no filme Mad Max, em momento algum senti medo.

Dito isso, voltemos ao Caieiras, ou melhor ao Bar Atlântico.

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Naquela manhã, os moradores do Boqueirão, da Guilhermina e da Aviação cansaram de ouvir o Helinho Bico Doce com sua voz de Cid Moreira, montado numa mobilete equipada com amplificador e alto-falantes, anunciar o show de Barbra Strada.

E quem parasse no vermelho dos semáforos da Kennedy recebia um panfleto impresso em papel jornal anunciando o citado show que ocorreria no Bar Atlântico. Helinho contratara por uns trocados os serviços da molecada que costumava fazer malabarismo com limões nesses cruzamentos para distribuição dos papeizinhos,

Enquanto isso, no bar Atlântico o pessoal se preparava para o grande evento, com seu Manolo abastecendo os freezers de cerveja e acomodando no balcão refrigerado os litros de meia de seda, de brasileira e de batida de maracujá preparadas por dona Manuela enquanto Salu preparava massadas extras de suas famosas coxinhas, além de croquetes e rissoles de carne.

Prontas as bebidas e depois de muito insistir, dona Manuela conseguiu convencer Manolo de que poderia ir sozinha até a clínica para fazer o exame de mamografia.

Já, no fim da tarde, Helinho Bico Doce encostou sua mobilete à frente da bodega e, com seu jeito despachado dirigiu-se a Manolo:

− E aí Manolito, desce uma gelada!! 

Ocupado, o português continuou seu trabalho de abastecer os freezers sem dar atenção ao recém chegado, que insistiu:

− Ô Manolito, qual é? Cadê a minha cerveja?

− Oh pá! Manolito é a senhora infeliz que te pôs no mundo!! E agora não me enches a pachorra, pois estou ocupado.

− Pô Manolo, então me pagas o que deve que vou tomar a breja na padaria.

− O quê? Pagar o que te devo!! Mas estás maluco, tu é que deves as cervejas e torresmos que pendurastes semana passada.

Falando com ironia, Bico Doce retrucou:

− Ah tá!! Quer dizer que não vai pagar pelo serviço que me contratou?

− Serviço? Mas que serviço? Estás louco, eu não contratei nada.

A discussão entre os dois, chamou a atenção de Salu que veio ver o que acontecia:

 − Eita, mas que bagunça é essa, o que....- interrompeu surpresa ao ver o namorado. - Ãh, oi querido, você por aqui, mas o que tá acontecendo?

Com ares de indignado, Bico Doce sacou o celular e mostrou a mensagem que recebera e se pôs a responder:

− É o portuga teu patrão que não quer me pagar, ele me contratou pra divulgar o show de hoje a noite, a mensagem tá aqui e....

Mas antes que completasse Helinho foi interrompido com a chegada de Leleca que percebendo o mal entendido se intrometeu na conversa:

− Não querido, não foi seu Manolo quem te contratou. Quem encomendou o serviço fui eu.

Incomodada com o jeito oferecido da recém chegada, Salu reagiu:

− Como assim, contratou o serviço?

Com desfaçatez e de forma insinuante, Leleca se aproximou de Helinho e respondeu:

− Simples seu Salustiano, mandei uma mensagem para o celular do Lélinho.

Ainda mais irritada com a resposta, Salu fez menção de avançar na direção de Helinho que temeroso se protegeu postando-se atrás de Leleca. Pegando pelo gargalo um dos litros de meia de seda esquecido no balcão e expressando ira, o cozinheiro ameaçou:

− Ah, Lélinho né!! Pois vou mostrar pra ele a meléquinha que...  

Percebendo que a coisa ia desandar para pancadaria, seu Manolo, segurando Salu se interpôs entre as duas e ordenou:

− Calma aí vocês, não quero saber de briga aqui no meu estabelecimento. Ô Salu, faz o seguinte, vai pra cozinha que eu vou acertar as coisas por aqui. Vai-te!

E ainda posicionado entre Salu que se recusava a sair, o português completou:

− E tu dona Leocádia, estás atrasada para preparar os equipamentos para a apresentação. Então, vai também fazer o teu serviço, aproveita e leva esse traste do Bico Doce.

Encarando Salu com um sorriso sarcástico, sentindo-se vitoriosa, Leleca puxou Helinho e falou em tom debochado:

− Vamos Lélinho, vem comigo vou te pagar e lá no carro tem umas coisas pra você pegar, vem querido!!

Esforçando para se desvencilhar de Manolo e prestes a voar sobre Leocádia, Salu foi contida com a chegada de da figura indefinível de Roger que, com sua voz grave, se dirigiu ao bodegueiro:

− Acho que o senhor é o seu Manolo, correto?

Indignada e amargurada, Salu largou o litro de bebida no balcão e desistiu de avançar sobre Leleca que se afastara. Aliviado e agradecido, seu Manolo respondeu:

− Pois não seu...quero dizer dona... Oh pá!! Pois não, sou eu mesmo.

− Ah sim. Boa tarde seu Manolo, mas acredito que sua esposa dona Manuela falou de minha proposta e...

Nesse instante, Roger foi interrompido com a chegada intempestiva de Manuela que entrou no bar aos prantos e se lamentando:

− Ai Manelinho! Ai que eu morro meu Manelinho, ai que dor.

Jogando-se aos braços do marido Manuela continuou a chorar e se lamentar sob os olhares espantados e aflitos de todos, principalmente de Manolo que também em desespero perguntou:

− Ai Jesus, meu tesourinho!! Mas o que foi? O que aconteceu, fostes atacadas? – e levando as duas mãos a cabeça completou - Não, meu Deus, te estruparam??

Espantada com o desespero de Manuela e irritada com a reação de Manolo, Salu recobrou a seriedade e retrucou:

− Jesus na Cruz!! O Manolo para de falar bobagem, ninguém foi estuprada!! Estuprada entendeu?

E com delicadeza, buscou acalmar Manuela:

− Ô Manuelita, calma querida, agora diz o que aconteceu – tomando as rédeas da situação completou se dirigindo ao patrão – Ó Manolo, busca um copo de água com açúcar pra Manelita!

Mais calma e ainda arfando, Manuela corrigiu:

− Água com açúcar não, traz uma dose do macieira, pra melhorar minha palpitação.

Após uma boa talagada do conhaque, Manuela mostrou-se mais calma. Então, Salu voltou a perguntar:

− Então, está mais tranquila agora Manelita, pois agora diz o que foi que aconteceu?

Soluçando, a portuguesa explicou:

− O exame que eu fiz, a moça que me atendeu disse que tem um carocinho na minha teta.

Dessa vez foi o bodegueiro quem se desesperou:

−Ai Jesus Maria Jose`! Tu vais morrer meu tesourinho e o que vai ser de mim, ai que eu morro também.

Novamente irritada, Salu intercedeu reclamando com Manolo:

− Minha nossa!! Para com isso Manolo, que ninguém vai morrer aqui, para com esse piti! - e buscando acalmar Manuela, fez um afago abraçando-a e completou - Tudo bem Manelita, o exame mostrou que tem um carocinho no seio, mas já tens o laudo do médico?

− Hein? Laudo? Não ainda não, pois só ficará pronto na semana que vem.

− Então minha querida, você não deve se desesperar, pois um carocinho no seio não quer dizer que você tenha um tumor maligno, isso somente o médico é quem vai dizer, provavelmente é benigno e nem vai precisar retirar. Importante é ficar calma e esperar o laudo que vai dar tudo certo, você vai ver.

− Ai é!! Então pode não ser grave?

Desta vez, Roger que acompanhava o drama interveio acalmando ainda mais o casal de portugueses:

− Isso mesmo dona Manuela, esses caroços, cistos no seio, não são tão incomuns e nem todos são tumores. Agora, mesmo que seja hoje em dia já existe tratamento, por isso que é importante o exame de mamografia.

Bem mais calmos, Manolo e Manuela se abraçaram e agradecidos pelas palavras animadoras de Salu e de Roger, o português ofereceu uma dose de conhaque aos dois e completou:

− Pois saiba seu...quero dizer dona...que seja, saiba que vou pensar na sua proposta, pois eu e minha Manelinha aqui estamos mesmo precisando aproveitar a vida e ...

Mas antes que Manolo completasse, todos voltaram a atenção para a figura exuberante que, exalando um doce perfume de patchouli e trajando um elegante modelo de saia e terninho rosa salpicado de pequenas pedrinhas de strass brilhantes como pequenas estrelas no lusco fusco daquele início de noite, delicadamente ingressou no salão do Bar Atlântico. Barbra Strada calou a todos que ficaram maravilhados com sua figura radiosa.

− Boa noite a todos!!

Embevecido e momentaneamente esquecido do desespero de há pouco, seu Manolo respondeu ao cumprimento:

− Muito boas noites senhorita!

Oferecendo a mão em cumprimento a recém chegada completou:

− Acredito que o senhor é o seu Manolo – e voltando-se para Manuela - e a senhora dona Manuela estou certa?

Ainda mais entusiasmado com a elegante postura e deixando Manuela um pouco enciumada, Manolo adiantou-se pegando a delicada e bem tratada mão de Barbra e curvando-se em retribuição ao cumprimento respondeu:

− Sim senhorita, sou Manolo, a seu dispor e esta é Manuela minha esposa, somos os proprietários do Bar.

Acompanhando tudo, completamente arrebatada, Salu não conseguia exprimir seu deslumbramento até que, quebrando todo o encanto um jovem rapaz se aproximou e, sem cumprimentar, dirigiu-se a recém chegada:

− Pai!

Imediatamente Barbra voltou-se e abrindo um sorriso fraternal respondeu:

− Tavinho, meu filho!!

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Comentários

  1. Respostas
    1. Opa. Bom saber, a Iara Amina ficou muito feliz com o seu comentário. Abração Camila

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  2. Estou gostando também, agora estou curioso, será que o Tavinho é a Iara?
    Quero mais...

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  3. Então IIIII, esse mistério não tão misterioso assim será esclarecido no próximo post. Brigadão pela atenção e um abração>

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  4. Curiosidade novamente atiçada, Bira! No aguardo, escreva mais! Abração!

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  5. Escreverei Nati, escreverei e avisarei, saudades Nati e abração.

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