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Outdoor

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Aconteceu em agosto, para ser mais exato numa fria e chuvosa segunda-feira de agosto, mês intruso e agourento. Encharcada pela chuva fina, a avenida da Praia do Itararé estava com suas três faixas congestionadas. Imobilizados naquele engarrafamento de final de tarde, eu e um tanto de outros fracassados ansiávamos por chegar em casa.  Agarrado ao volante como o náufrago a uma boia de salva-vidas, eu me deixava levar pela maré de veículos. Desorientado, mirava meu rosto refletido no vidro do para-brisa tentando gostar do que via, não conseguia. Em pensamento me perguntava, quantos malditos agostos já havia passado e será quantos outros mais ainda enfrentarei? Aquele era apenas mais um agosto agourento que se repetia, frio e arrastado como a fila daquele, também maldito, engarrafamento.  Em determinados momentos minha melancolia era superada pelo pavor, retumbantes trovões explodiam em seguida aos aterradores flashs dos raios, tenho muito medo de raio. Provavelmente o final do mundo vai a

Mulheres

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 A aluna perguntou se eu poderia gravar, (na verdade ela gravaria), algumas palavras sobre as mulheres importantes da minha vida.   Imediatamente uma lampadazinha vermelha se acendeu em minha mente, um alerta do tipo:“atenção, cuidado com o que você vai dizer, pois ficará gravado!!”. Lógico que eu me dispus a fazer a gravação e fui sincero quando respondi que: “As mulheres mais importantes na minha vida são minha esposa Eliana, minha filha Juliana e minhas netas, a Dedé, a Lolô, a Lelé e a Lili, mulheres lindas, guerreiras e que juntas dão um sentido pra minha existência” Satisfeita, a aluna agradeceu e saiu. Provavelmente, foi gravar outros depoimentos do tipo. Bom, tudo isso pra dizer duas coisas, a primeira foi que eu esperava uma contestação por parte da aluna que não aconteceu, seguinte: ela não questionou por que não citei minha mãe? Pra essa questão minha resposta estava pronta, diria que “mãe não é mulher, mãe é mãe!”.  Já a segunda questão é a seguinte, como disse fui sincero,

Prólogo

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Quando desembarquei do onibus e mergulhei na multidão esbaforida formada por pessoas apressadas que saiam e entravam na pequena rodoviária de concreto, um mausoléu sujo, feio e frio, eu fiquei duplamente decepcionado.      Desde que decidi retornar a Santos, depois de duas décadas vivendo longe, esperava reconhecer muitas coisas e ser reconhecido por algumas delas.    Entretanto, ao me postar junto a enferrujada e opressora grade que circundava a Praça dos Andradas, rápido eu me dei conta que tinha hegado a um outro lugar, aquele que deixara vinte anos antes já não existia mais, eu não reconhecia e nem me sentia reconhecido por nada.    Resoluto, não desisti e louco por rever um pedaço do passado, eu segui em direção a ele.    O salão do Carioca estava repleto, os freqüentadores, a maioria funcionários da prefeitura ou dos Correios, aproveitavam o intervalo do café da tarde e, como de costume, falavam alto e riam de forma espontânea.   A combinação dos diálogos desconexos com o b

A Respeito de Lennon

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  Estava na escola quando recebi esse "zap" do Bel, meu filho. Escrevo isso porque assistindo algumas etapas da WSL, tive oportunidade de ver as celebridades do mundo do surfe deslizarem suavemente no interior de grandes ondas, algumas em formato de  tubos perfeitos.  Belas imagens intercaladas de aulas de bom-mocismo  dadas pelos surfistas  nas  alegres e descontraídas entrevistas produzidas pela  rede detentora dos  milionários direitos de divulgação.  Daí, lembrei do Lennon, do João Lennon. Ocorre que há mais de cinquenta anos, por conta de ter de trabalhar, transferi minha matrícula para o período noturno do Ginásio Estadual do Gonzaga o G.E.G ( a gente chamava carinhosamente de "Jegue"), que ocupou o lugar do antigo Grupo Escolar Marquês de São Vicente, atual E.E. Marquês de São Vicente.  O prédio do Jegue ficava na Bernardino de Campos, no Canal Dois a duas quadras da praia e consistia numa construção baixa com salas amplas e bem arejadas por janelões voltados

Resolução de Ano Novo

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  O banner pregado na porta entreaberta do estabelecimento era uma cópia em tamanho maior dos panfletos que Josiel distribuíra durante toda semana e continuava a entregar aos passantes. Entre os que educadamente aceitavam receber o panfleto, alguns reagiam de forma raivosa, depois duma rápida leitura eles os amassavam com força e se livravam do papelzinho como se nele tivesse um vírus contagioso. Com o tempo, a calçada da Dr. Cochrane passou a ser ocupada por seres da noite, mulheres com vestidos colados ao corpo e o rosto emplastrado com uma maquiagem exagerada, que tentava, sem sucesso, esconder o obvio, que não eram mulheres. Incontinente, Josiel continuava sua saga de entregar a quem quer que fosse seu material de convocação e as mariposas da noite, com delicadeza forçada e oferecida, aceitavam de bom grado o panfletinho. -0- Quando Josiel decidiu organizar a "Plenária", pensou na necessidade de um ginásio pra abrigar a multidão que, com certeza, responderia ao seu ap

Conto de Natal

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  Falando em tom de encerramento, completou o professor: ─ Do ponto de vista da Dialética hegeliana, o confronto entre as classes sociais trata-se dum fenômeno natural, entretanto do ponto de vista da dialética marxista, a luta de classes é determinada pelo sistema produtivo capitalista. Deixando a sala de aula e correndo pra pegar o último "Butantan-USP", Josiel, em seu estado natural, ou seja, de inconformismo, pensava: “burguesia do caralho, essa!”.  E esbaforido, conseguiu se imprensar no vagão metálico do Metro na estação Barra funda que o levaria até a estação Sé e dali, se tudo desse certo, conseguiria pegar a também última composição que o levaria até o Jabaquara e finalmente o “bacural” do Rápido Brasil para Santos. Passava das duas da manhã quando finalmente chegou na sobreposta do Macuco,, só depois do banho percebeu o bilhete na mesa da cozinha deixado pelo Otoniel, despachante aduaneiro e companheiro dos rachas na praia do Boqueirão: “Passa no escritório