A Rave dos Encantados
Noite dessas, fui informado
por uns chegados que na Mata da Cachoeira ia rolar um baticum invocado.
Como sou caído por esses
babados me embonequei todo, botei pintura de primeira, urucum de qualidade,
tomei banho de capim cidreira, gotejei essência de arruda por de trás dos
abanos e me mandei pro pedaço balangando as penas feito garnisé ciscando em
galinheiro alheio.
Maneiro, eu estava assim,
assim, todo cheio de nove horas, me achando, quando cheguei no luau dos
encantados. Mas a coisa não prestou, diante de minha engalanada presença os ogãs
deram uma pausa nos timbales e foi o que bastou!
Uma Pomba-Gira muito da
enfezada deu uma baforada de chega pra lá no meu cangote e foi logo pedindo a
satisfação.
Quando tentei dialogar, um Seu
Zé Pelintra, paramentado com terno de linho branco, sapato bicolor, chapéu
panamá de aba quebrada e lenço de seda vermelho amarrado no pescoço, tomou as
dores da Gira e se armou pra cima de mim.
Escolado nas rodas de bozó e
fogueirinha santa na Rampa do Mercado, mio, mas não sou miado, saquei na moral
que o Pelintra, com aqueles paramentos todos, era diplomado na arte da navalha
e, de olho no meu gorgomilo, estava querendo se mostrar pra Gira que, tenho de
admitir, era uma dama de responsa.
Então, eu protegi meu gogó, tentei
levar um lero e me fingi de morto pra ver se escapulia do velório no meio da
reza.
A bronca toda tinha a ver com
o lesco-lesco que esse cambono besta, eu mesmo, se mete a escrever.
Parece que a Gira não
concordava com um texto cheio de milongas evocando:
“A racionalidade irrestrita
de uma sociedade mergulhada ainda no primitivismo esotérico fatalista e
patriarcal que nos submete à hegemonia imperialista e tecnocêntrica do mundo
burguês...” e o escambau por aí afora.
Acontece que esse texto deu o
que falar aqui pelos lados dos Encantados, e, analisando pelo viés deles, conclui:
“Eu devia estar drogado
quando escrevi essa parada”.
Mas as Entidades, como essa
bela Gira, não queriam saber das minhas rezas e estrilavam:
“Esse um, escreve em defesa
da tal da ideologia burguesa imposta pelo imperialismo neoliberal que é destituído
de uma estética humanista”.
Para a Pomba-gira, o Pelintra
e outros tantos que me cercaram no terreiro, esses negócios de:
“Pragmatismo, simbolismo
teosófico, mecânica quântica e outras milongas mais, são instrumentos alienantes
que, através da glamourização holiudiana, pretendem impor um ponto de vista d’uma
cultura materialista, já hegemônica pela força do dinheiro e das armas,
boicotando a riqueza e sabedoria de tradições milenares e o respeito devido ao
sagrado”.
Enquanto a roda ia se fechando
em torno de mim, fui me preparando pro pior.
Mas, foi então que uma luz
dourada iluminou o terreiro e uma maravilhosa Oxum desceu revoando seu belo véu
protetor de cetim dourado, irradiando um hipnótico brilho carmim com as contas
de rubi refletindo em sua pele de ébano.
Com sorriso de estrela, ela
tomou minha defesa e com toda sua grandeza destilou meiguice e sabedoria.
Ah! Como é linda essa minha
Oxum.
Nessa hora também, apareceu
gingando e pedindo a licença o Mestre Zagaia que se desculpou por estar atrasado, ele ficara preso numa roda de sueca no Casqueiro.
O Grande Mestre também estava
todo estiloso, ele vinha pra ter com uma princesa índia de pele cobreada que
baixava naquelas paradas, a bugra dera uma flechada em seu coração.
Mestre Zagaia chegou e foi
logo mostrando sua erudição:
“Meus camarados! Esse
negócio de imperialismo norte-americano é coisa pra Hippie dos anos sessenta. A
questão é o seguinte, quem não morre não vê Deus, e tenho dito! E aquele que
não tiver de acordo é só cair pra dentro, aí meus uns, vosmecês vão ter que
aparar os dois filhos dessas matas aqui presente”.
É impressionante a capacidade
de argumentação de Mestre Zagaia, bastaram essas poucas e sabias palavras pros
timbales voltarem a soar e a roda de Giras voltar a se espraiar.
Pra animar ainda mais o luau,
os ogãs resolveram fazer um Baticum-fusion emendando os pontos sagrados com axé
music, funk e Rhythm Blues. A batida não deixou ninguém parado.
Quando o galo já cansava de
avisar que o sol tinha nascido, a rave deu uma maneirada. Os ogãs recolheram
seus atabaques e foram servidas copadas de garapa azeda trazida direto das
escadarias do morro do Monte Serrat.
Nessa hora certa e santa, os
camarados zarparam pras suas camarinhas e, foi nessa que minha linda Oxum subiu
de volta aos céus onde ela reina e me protege.
Mas antes, ela me fez prometer
que eu ia dar uma força e proteção pra essa besta do meu cambono, escriba que
sou eu mesmo. Tem um coração de ouro essa minha mãe Oxum!
Então com o sol rachando, feliz
e um pouco estropiado, eu me ajeitei debaixo dum pé de cuca e me apaguei.
Adoroooo!
ResponderExcluirPura inspiração... axé!
Oxê!! Salve valeu Raquel.
ResponderExcluirMuito bom!
ResponderExcluirOpa, I.Amina agradece, abraços!!
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