MERITOCRACIA - Final

 

08

 A mãe do professor de Geografia Jonas Kuzmitch é proprietária da Pousada Tic Tac, a única hospedaria de Porto Geral. Afastada do Centro, a Pousada se localiza na entrada do distrito, na Rua da Ponte e, além de acolher de forma discreta casais enamorados, hospeda turistas, servidores da administração e caixeiros viajantes que visitam o lugar. 

Qualquer recém chegado em P.G. obrigatoriamente passa pela rua da Ponte e quase sempre se hospeda na Tic Tac. Por isso, a mãe do professor de Geografia sempre é a primeira a saber.

Não demorou muito, naquela mesma noite Fiódor Andreiévitch Liuliukov se hospedou na Pousada Tic Tac e na manhã seguinte o professor Jonas Kuzmitch informou Dona Corinha.

─ Mamãe disse que o sujeito tem cara de funcionário público.

-0-

Passava das oito quando Fiódor Andreiévitch vestiu seu único terno, com cuspe esfregou até tirar algum brilho envernizado dos sapatos gastos e dignamente se dirigiu ao refeitório da pousada. A diária dava direito ao café da manhã e ele sabia que aquela seria a única refeição do dia, o único dinheiro que tinha fora gasto no pagamento adiantado da diária na pousada.

O pai o acusava de ser preguiçoso e que essa sua insistência em vir para o litoral em busca de um emprego não passava de pura vagabundagem. Em parte, essa acusação era correta, Fiódor Andreiévitch preferia viver vagabundando esfomeado a ficar trabalhando no escritório de contabilidade da família. Por isso, sem dinheiro e sem emprego estava disposto a se entupir de brioches e café com leite.

Assim, quando dona Maria Kuzmitch veio até sua mesa, assustado, Fiódor Andreiévitch fez menção de devolver os brioches que havia guardado nos bolsos do paletó, mas estranhamente a gerente da pousada foi muito cordial.

─ Bom dia camarada, estamos muito orgulhosos de sua presença em nossa humilde pousada. Espero que esteja satisfeito com nosso café da manhã, caso o senhor deseje algo mais substancial posso mandar preparar. Ovos com bacon, o senhor aceita?

Sem compreender bem o que estava ocorrendo, Andreiévitch quase não teve tempo de responder.

─ Si...Sim, mas...!?

─ Meu filho Jonas disse que o senhor viria, não se preocupe, pois faremos de tudo para que sua estada seja proveitosa e gostaria de convidar o senhor para o jantar dessa noite, faremos tainha recheada assada na brasa e farofa de banana além de cozido de azul marinho, uma pequena e singela mostra de nossa gratidão pela sua presença. Podemos contar com o senhor?

─ Cla...Claro, mas...!?

─ Que ótimo, não se apresse, o carro que vai levar o senhor até o Grupo Escolar ainda demora um pouco.

─ Transporte!? Gru...Grupo Escolar!?

─ Isso mesmo, o Grupo Escolar de Porto Geral, já foi informado de sua chegada e providenciou uma condução.

-0-

Sem entender o que estava acontecendo, Fiódor Andreiévitch engoliu os ovos mexidos com bacon e com os bolsos lotados de brioches subiu no Santana do Beiço, o dono do carrinho de churros que fazia ponto na porta da escola.

Enquanto isso, numa das janelas da Pousada Tic Tac, dona Maria Kuzmitch o observava e ao mesmo tempo sussurrava ao telefone.

─ Ele acabou de sair.

 09

 Dedicado funcionário da administração de Pindorama, Ivo Aleksandrovich Khlestakóv aguardava ansioso e pejado de orgulho o encontro que teria com seu chefe, o Secretário Lucas Khlopov.

Recém-promovido ao cargo de Agente Inspetor, Khlestakóv se dedicava a carreira de funcionário público como um fanático religioso a sua crença. Para ele, seus superiores eram dotados do dom da infalibilidade, obedecia a suas ordens disciplinadamente sem questionar. Por outro lado, seus pares e principalmente aqueles que ocupavam postos subalternos não mereciam sua confiança, acreditava que todos deveriam se submeter lealmente aos superiores. Ivo Aleksandrovich Khlestakóv considerava a carreira no funcionalismo público um sacerdócio e humildemente se prostrava aguardando seu oráculo.

─ Ossip, peça pro senhor Khlestakóv entrar.

O assessor do Secretário abriu a porta do gabinete e sinalizou ao Agente Inspetor que solicito entrou e estancou à frente da mesa onde o Secretário Khlopov despachava. Este sem desviar a atenção dos documentos que visava, apontou a cadeira para que o funcionário se acomodasse.

─ Agente Inspetor Ivo Aleksandrovich Khlestakóv, chamei-o, pois pretendo incumbi-lo de uma importante missão, inspecionar as unidades escolares de Pindorama.

Radiante com o tratamento deferente oferecido pelo Secretário Khlopov, Khlestakóv não cabia em si, sorria um sorriso tão forçado que as bochechas começaram a doer.

─ Como é notório, nossa administração objetiva a modernização e isso implica na otimização dos recursos, infelizmente sempre inferiores as demandas, por isso faço questão de instruí-lo pessoalmente.

─ Agradeço a confiança depositada em meu trabalho e farei como o senhor mandar.

─ A política que pretendemos adotar fundamenta-se na meritocracia, ou seja, no alcance de metas específicas. Os servidores das Escolas que atingirem tais metas receberão uma bonificação. E é desejo expresso de nosso alcaide que uma dessas escolas receba a gratificação, pois já está acertado um trabalho de divulgação pelas redes de rádio e de televisão desse esforço modernizador, queremos mostrar os queridos professores dessa escola sejam garotos propaganda do governo.

Relaxando o dolorido sorriso, o funcionário Khlestakóv balançou a cabeça demonstrando seriedade.

─ Sei como ninguém o quão difícil é convencer os servidores públicos a se engajarem no projeto revolucionário dessa administração.

─ Muito bem, vejo que o senhor é a pessoa certa para o encargo. Entretanto, como disse, os recursos são escassos e não serão suficientes para agraciar as outras unidades escolares, daí a importância de seu trabalho se é que me entende. Afinal, o relatório de inspeção é um dos principais critérios para definição das metas de mérito.

A última fala do Secretário Khlopov foi feita em tom comedido quase conspiratório e isso deixou em êxtase o supervisor Khlestakóv.

─ Entendi muito bem o que o senhor espera do meu trabalho.

Nem bem saiu do gabinete do Secretário da Educação, o supervisor, agora Inspetor Ivo Aleksandrovich Khlestakóv, decidiu que na manhã seguinte seguiria para o litoral, pois a primeira escola que faria a inspeção seria o Grupo Escolar de Porto Geral.

10

 Mal desligou o telefone, Dona Corinha chamou a Professora de Matemática Alessandra Rastakóvski e Banessa Bravastka a secretária do Grupo Escolar.

─ Alê, o inspetor tá chegando! Como combinamos, você vai de sala em sala ver o estado dos alunos, aqueles que estiverem sem a camisa da escola, com camisas rasgadas ou sujas você troca por uma das peças limpas que reservamos. Outra coisa, avisa a todos os professores que a inspeção vai começar a qualquer momento.

─ Pode deixar, Corinha!

A professora de Matemática falou e se retirou imediatamente.

─ Dona Banessa, como a senhora sabe o inspetor pretende verificar o funcionamento de nossa escola e lógico vai inspecionar a secretaria, por isso peço encarecidamente que a senhora fique calma e atenda a todas as solicitações do agente inspetor. Posso contar com a senhora?

─ Fazer tudo o que esse enxerido pedir?

─ Tudo o que ele pedir e sem reclamar!

─ Humpf!!! Tudo bem, mas é o seguinte Corinha, que mais ninguém me venha encher o saco, senão...

− Tudo bem Banessa, calma, ninguém mais vai incomodar você, eu garanto.

A secretária Banessa  era muito competente, dominava seu espaço, a secretaria e a burocracia da escola com muita presteza e eficiência. Mas além de ser reconhecida pela eficiência, Banessa Bravastka também era conhecida pelo espírito explosivo e pela truculência, Banessa era muito brava.

Surpreendidas com a notícia da chegada iminente do Agente Inspetor, bem antes do previsto, as professoras de Artes Fevrônia Célia e Marisa Petróvna tiveram que improvisar.

As rachaduras e defeitos das paredes do pátio foram cobertas com cartazes alusivos ao Natal, os únicos disponíveis em quantidade suficiente. Mais preparado, o professor Claudio Dóbtchinski recolheu rapidamente as mesas onde os alunos disputavam partidas de dama e dominó e em seguida orientou alguns deles para estender a lona pintada com a área do garrafão de uma quadra de basquete junto à parede onde estava instalada a cesta. Escolhido os alunos mais altos, o professor de Educação Física distribuiu a meia dúzia de camisetas promocionais do mercadinho local e improvisou uma disputa de Basquete 3x3.

Atribulação maior tiveram os professores Mitiko Sakaeroviski e Joseph Vodkarlos que juntos com a professora Nihon Paragauaióviski percorreram esbaforidos  todas as salas de aula pendurando aleatoriamente painéis com figuras geométricas e origamis tapando os buracos e rachaduras nas paredes.

 11

Quando, inseguro e desconfiado, Fiódor Andreiévitch se postou à frente da entrada do Grupo Escolar, magicamente o grande portão foi aberto e a professora Alessandra Rastakóvski com um sorriso escancarado se apresentou.

─ O senhor pode entrar, a coordenadora está aguardando.

Titubeante e continuando sem entender o que estava acontecendo, Andreiévitch se deixou levar até a sala da Coordenação. Não passaram despercebidos os cartazes em vermelho, prata e dourado da decoração natalina do pátio, muito vibrantes, principalmente considerando que ainda estavam no mês de maio. Dona Corinha com seu mais meigo sorriso pregado no rosto o recebeu bem solicita.

─ Como vai camarada inspetor, estamos orgulhosos e satisfeitos com sua visita. Antes de mostrar nossas instalações gostaria de oferecer-lhe um cafezinho.

Além da jarra de refresco e uma garrafa térmica com café, a mesa da sala da coordenadora estava coberta de pratinhos com salgadinhos variados.

Ciente de que a qualquer momento a sorte poderia virar, o jovem Andreiévitch abandonou a timidez e se atracou nos quitutes, particularmente nos rissoles de camarão que avivava sua memória afetiva, pois sua avó uma quituteira de mão cheia era famosa pelos rissoles, o de camarão era impagável.

Inspirado e refestelado por aquela fartura de croquetes coxinhas e rissoles, Fiódor Andreiévitch, tomara uma decisão, assim que pudesse voltaria para casa e pediria a sua avó as receitas de seus famosos salgados, principalmente do maravilhoso rissole de camarão.

 Enquanto o suposto inspetor era mantido na sala da Coordenadora, nas salas de aula a professora Sakaeroviski e o professor Vodkarlos acabavam de pendurar os últimos origamis. Satisfeita a professora Alê verificou que todos os alunos estavam limpos e asseados, inclusive os nove deles que haviam recebido camisetas e sandálias emprestadas pela escola. 

Entretanto, um problema ameaçava todo o esquema, na sala do terceiro ano o professor Esquisitus ralhava com o professor Célio Ukhoviórtov.

─ Pô, Célio! Como tu deixaste isso acontecer.

─ Mas..., mas..., eu não tive culpa, o pneu furou.

-0-

Ciente de que a parte mais sensível do plano estava ameaçada, a professora Alessandra Rastakóvski, visivelmente tensa, ingressou na sala da coordenadora.

Percebendo que alguma coisa tinha dado errado, Dona Corinha puxou o jovem Fiódor pelo braço.

─ Vamos meu querido, começaremos pela secretaria.

E, voltando-se pra professora Alessandra Rastakóvski, sussurrou.

─ Plano B!

Totalmente perdido e já sentindo um leve mal-estar causado pelo excesso de salgadinhos, ovos mexidos com bacon, uns tantos brioches e café que havia ingerido, Fiódor Andreiévitch foi deixado aos cuidados da secretária Banessa Bravastka.

Enquanto isso, na sala do terceiro ano Dona Corinha e a professora Alessandra foram informadas pelo professor Esquisitus que o laboratório de físico-química já estava preparado para a inspeção.

─ Ô, Dona Corinha, aconteceu o seguinte, o Célio ficou de trazer uma prateleira de vidro e um lavatório de casa, mas furou um pneu da Brasília dele e não deu, ai nós improvisamos.

Atenta a explicação, a coordenadora tentou identificar o gabinete de vidro colocado sobre uma base de alumínio num canto da sala, em seu interior a boca de um fogareiro de chama azulada suportava uma peça de vidro com um líquido borbulhante e em torno acomodavam-se com relativa ordem toda vidraria obtida do protético. O gabinete lhe era familiar, o professor Esquisitus esclareceu.

─ Pegamos emprestado o carrinho de churros do Beiço, fizemos umas adaptações e preparamos umas experiências pra demonstração.

Entusiasmado, o professor Célio Ukhoviórtov tentou explicar o propósito da experiência, mas foi contido pelo professor de química.

─ Chega de conversa Célio! Vamos nos concentrar na inspeção.

Mais tranquila, Dona Corinha retornou a secretaria onde se deparou com Fiódor Andreiévitch ouvindo pacientemente os lamentos e reclamações da secretária Banessa. A coordenadora teve a impressão de que ele estava levemente pálido, creditou isso como uma reação natural ao conhecido mal humor da secretária Banessa.

─ Pronto, meu caro! Podemos seguir para as outras dependências da escola.

Meio enjoado, o jovem vendedor se deixou levar e a cada sala que entrava era recebido por professores e alunos alinhados e asseados, todos desfiando um discurso ensaiado que não lhe dizia nada e somente servia pra aumentar seu mal-estar, desconfiou dos rissoles de camarão. 

A confusão aconteceu na sala do terceiro ano convertida em laboratório. Preocupada, Dona Corinha procurou saber o que tinha ocorrido. O professor Célio tentou explicar, mas, nervoso, gaguejava muito, o professor Esquisito falou em seu lugar.

─ Nós não tivemos culpa, quando o inspetor chegou o Célio se pôs a explicar uma experiência de Física usando bolas e cordas, eu vi que ele já tava meio amarelo. Na minha vez de fazer uma experiência com ácido sulfídrico o sujeito ficou verde, perguntou onde era o banheiro e saiu correndo.

Muito preocupada, a inspetora deixou a sala do terceiro ano e, no pátio, se deparou com o professor Jonas Kuzmitch próximo da porta do banheiro masculino.

─ Tem um sujeito aí dentro botando os bofes pra fora.

Em desespero, Dona Corinha colocou a mão na cabeça.

─ Ai, meu Deus!

Mas a coordenadora teve pouco tempo pra se lamentar, pois imediatamente ao toque da campainha do portão, um aluno do sexto ano se aproximou assustado.

─ Tia Corinha, tem um moço meio careca com uma pranchetinha debaixo do braço, no portão lá fora.

─ Minha Nossa Senhora! Isso lá são horas pra esse inspetor sanitário aparecer. Professor Jonas, o senhor pode resolver esse problema?

Prestando atenção e ciente da situação que preocupava a coordenadora, o professor de Geografia prontamente respondeu.

─ Deixa comigo, Corinha!

A Coordenadora ficou preocupada quando percebeu o sorrisinho maroto do professor que imediatamente se dirigiu ao portão de entrada, mas logo voltou sua atenção para a porta do banheiro masculino de onde o jovem Fiódor Andreiévitch saia cambaleante.

Enquanto Dona Corinha e a Professora Alessandra Rastakóvski ciceroneavam o jovem Fiódor no trabalho de inspeção, o professor Jonas ingressava na sala dos professores esboçando ainda mais esgarçado o seu sorriso maroto. Quando os professores de português José Marcio e Claudio Dóbtchinski de Educação Física perguntaram o motivo, satisfeito, o professor de Geografia respondeu:

─ Dona Corinha pediu pra eu dar um jeito no inspetor sanitário, o sujeitinho se apresentou como Ivo Aleksandrovich Khlestakóv.

Sem entender, o professor Claudio interrompeu.

─ Tá, mas qual é a graça?

─ Deixei o cara na secretaria, mas antes eu disse pro sujeitinho falar gritando com a secretária Banessa porque ela é surda.

Enquanto Dona Corinha arrastava o jovem Fiódor Andreiévitch pelas dependências da escola atulhadas de cartazes, fitas, bolas decorativas e luzinhas pisca-piscas, a professora Alê junto com os professores de português e de Educação Física corriam pra secretaria pra acudir a secretária Banessa que acometida dum ataque de nervos expulsava o inspetor Ivo Aleksandrovich Khlestakóv aos gritos.

─ Tira esse sujeito daqui! Fora, senão eu mato ele!

─ Calma, Banessa! Calma, ele já foi embora

A professora Alê falava tentando acalmar a secretária muito exaltada e ao mesmo tempo os professores José Marcio e Claudio Dóbtchinski empurravam o empertigado inspetor Khlestakóv portão afora.

− Mas, o que é isso? O que vocês estão fazendo?

Antes de empurrar o Inspetor Geral para fora e lançar sua pranchetinha pelo muro, o professor José Marcio respondeu.

─ Estamos salvando sua vida queridinho!

12

 No dia seguinte, a sala dos professores estava lotada, todos queriam participar da reunião pedagógica, estavam interessados em saber como andava o processo de inspeção e avaliação da escola.

Na parte inicial da reunião, a coordenadora narrou os acontecimentos do dia anterior quando a escola recebeu a visita do Inspetor Geral que, apesar do mal estar sofrido, provavelmente uma leve intoxicação alimentar, demonstrou ter ficado muito satisfeito com o que viu e, por isso, Dona Corinha aproveitou para agradecer a participação e o empenho de todos os professores notadamente das professoras Sakaeroviski Célia e Marisa e dos professores Claudio, Vodkarlos, Esquisitus e Célio que cumpriram com brilhantismo o plano traçado.

Concluída essa explanação inicial, Dona Corinha passou a palavra aos professores Svetlana Fabíola e Nicolau Souvarine que ficariam encarregados de articular a segunda parte do plano, ou seja, preparar os alunos para a prova do SASPR. Nesse instante a reunião foi interrompida, o professor Esquisitus fez um questionamento.

─ Ô Dona Corinha! Uma pergunta, alguns alunos não sabem nem escrever o nome, se eles fizerem a prova desse tal SUSPRICIO, vão tirar zero e arrebentar com a nossa média.

─ É SASPR, professor Esquisitus, SASPR! Professora Svetlana, explique aos colegas como resolveremos esse tipo de problema.

Impedida de falar, pois perdera um pivô na acalorada noite de amor na TIC TAC, a professora Fabíola passou a palavra ao parceiro o professor Nicolau Souvarine, este apresentava apenas um hematoma que lhe fechava o olho esquerdo.

─ Camarada Esquisitus, o senhor está certo, devemos nos preocupar com o coletivo. Por isso, nosso plano considerou essa questão também. Como todos sabem, as provas do SASPR serão aplicadas no segundo semestre aos alunos dos sétimo e nonos anos do fundamental e primeiro e terceiro anos do Ensino Médio e a média de aproveitamento desses alunos será empregada na nossa avaliação. Portanto nosso plano é trabalhar intensivamente com essas turmas até a semana anterior as provas.

─ Peraí ó Nicolau! Tudo bem, já entendemos isso, mas nessas turmas também têm alunos com muitas dificuldades e basta alguns zeros pra nossa média ir pro buraco.

O rumor de vozes concordantes cresceu na sala, foi preciso que a coordenadora chamasse a atenção de todos para que o professor Souvarine retomasse a explanação do plano.

─ Também concordo Camarada Esquisitus, por isso decidimos que na semana anterior das provas, os professores identificarão esses alunos com baixo desempenho, feito isso, tais alunos serão convocados para um torneio de futebol os meninos e de handebol as meninas, organizados pelo professor Claudio Dóbtchinski.

Dessa vez, foi o professor José Marcio quem intercedeu.

─ Não entendi, vamos chamar esses alunos e dizer a eles que, por terem baixo aproveitamento, serão convocados para um campeonato de futebol?

─ Não é bem assim professor, os alunos não saberão por que foram convocados.

− Mas, qual relação esse torneio de futebol tem com a prova do SASPR?

Atendendo ao sinal dado pelo professor Souvarine, o professor Claudio Dóbtchinski respondeu.

─ O torneio vai acontecer na semana da prova e fora da escola, na quadra do PG Esporte Clube, durante o horário de aula.

O silêncio que se seguiu a resposta dada pelo professor de Educação Física durou pouco. Rápido, todos os professores perceberam o objetivo do plano, impedir que os alunos com baixo desempenho participassem das provas, um plano perfeito.

 Epílogo

Encerrada a fatídica reunião onde foram informados de que não receberiam o bônus, os professores, resmungando uns, conformados outros, amontoaram-se apertados no pequeno salão do Copo Sujo do Mourinho e quando o dono do boteco se apresentou com seu avental encardido, novamente foi Dona Corinha quem tomou a palavra.

− Então, seu Mourinho! Que nova especialidade é essa que está fazendo tanto sucesso?

− Pois então, Dona Corinha! São os rissoles de camarão.

− Mas, que tem isso de novo, que eu saiba seus rissoles não são novidade e, cá pra nós, a fama deles nunca foi muito boa.

Esfregando as mãos oleosas, o português devolveu satisfeito.

− Pois então! É que agora contratei um cozinheiro novo, ele é muito bom e a especialidade dele sãos estes tais rissoles.

Esfomeado e sedento, o professor Esquisitus interrompeu.

− Ó Mourinho! Chega de conversa e traga lá esses tais rissoles, não esquece das cervejas e dos quebra-gelos.

-0-

Alcançada a sexta dose de stanheguer e décima pratada de rissoles, em passos trôpegos Dona Corinha decidiu ir até a cozinha do boteco pra conhecer o responsável pelo acepipe tão bestial.

Poucos minutos depois, esbaforido, o português Mourinho correu à mesa onde os professores tentavam afogar seus desencantos.

− Acudam, acudam! A “professoira” se estatelou no chão.

Sem compreender bem o que acontecia, lesados e meios bêbedos os professores correram em auxílio, preocupados com a coordenadora. Quando finalmente se acotovelaram no interior da enegrecida cozinha se depararam com a cena insólita. Um sujeito de avental ensebado acocorado sobre o corpo desfalecido de Dona Corinha.

Gritando imprecações, a professora Svetlana Fabíola desfechou um murro no ouvido esquerdo do sujeito agachado que não se estatelou ao lado da coordenadora por falta de espaço. Então, foi nessa hora que todos compreenderam o que havia ocorrido.

De cara torta e esfregando a orelha inchada, o cozinheiro recém contratado ergueu-se assustado.

− Mas, o que foi que eu fiz?

Boquiabertos, os professores do Grupo Escolar de Porto Geral emudeceram diante da figura de Fiódor Andreiévitch Liuliukov de avental cheirando a rissoles de camarão.

Fim
Um chefe de Estado, seja autocrata ou democraticamente eleito, não expressa a alma de um povo. 
Tão ruim quanto a guerra contra o povo ucraniano são os sentimentos russofóbicos. 
Salve a Ucrania de Nikolai Gogol
e
a Rússia de Liev Tolstói!

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