Musa



Sonolento, abri a porta da geladeira e, com satisfação, fui acariciado pelo jato úmido e frio de seu interior vazio. Olhos cerrados, desferi um tapa no radio empoleirado no armário manco e, contrariado, me resignei a encher o copo com água ferruginosa da torneira. 

Repetindo irritantemente a hora a cada segundo, o locutor com voz cadavérica foi interrompido por alguém que, entre sons de sirenes de ambulância e insistentes buzinas ao fundo, falava de um celular. 

O repórter volante da emissora, um foca esbaforido, anunciava com espalhafato o saldo de feridos vitimados em um engavetamento ocorrido na avenida de acesso ao túnel.

Ainda meio adormecido, traguei a água quente sem dar atenção e me dispus a requentar um café esquecido na garrafa térmica. 

No instante em que tentava engolir a beberagem escura me engasguei ao ouvir o motivo do tal engavetamento, corri pra sala, liguei a TV, sintonizei no canal de notícias e nada de sinal, dois meses de atraso da conta da TV por assinatura, pouco esperançoso apelei pro computador, mas a banda larga também tinha sido cortada. Determinado, saquei o lap top e fui pra escadaria do prédio, mais uma vez ia piratear o wireless do síndico. 

Não deu outra, no canteiro central da avenida ela se expunha oferecida numa pose sensual completamente nua, oferecida.

Desesperado, corri de volta pro apartamento, busquei meu bloco de desenhos e confirmei, ela havia fugido.




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