O Tigre Branco: uma alegoria da miséria humana.
Nessa minha busca por algo que atendesse meu exótico apelo,
durante o período de quarentena encontrei uma série turca chamada “Ressurreição”
que, por interesse histórico, resolvi assistir. Ocorre que essa série está
dividida em cinco temporadas e cada temporada é composta, em média, por cem
capítulos. E, como não gosto desse negócio de maratonar, quero dizer, assisto
normalmente um capítulo por dia, quando muito dois, é possível concluir que
provavelmente somente chegarei ao fim de “Ressurreição” depois da segunda dose
da vacina, ou seja, depois de já ter virado jacaré.
Digo tudo isso porque, nesse momento anterior a premiação da
academia de Hollywood, o Oscar, resolvi assistir alguns dos indicados para
premiação disponíveis na Netflix, como o “Mank” e “Os Sete de Chicago”.
Acontece que o intrometido algoritmo captou essa minha predisposição e tascou
como sugestão “O Tigre Branco”, uma produção indiana.
Ressabiado, não sou muito fã de “Bollywood”, por duas vezes
resisti, até que me deixei levar. Confesso que estou grato por tal intrometida sugestão,
o filme me surpreendeu. Honesto, bem dirigido, atuações ótimas, roteiro
equilibrado e com substância. Recomendo.
Terminada a fita, satisfeito, busquei mais informações sobre
a produção, fui ao site “Adoro Cinema” e obtive os dados técnicos de praxe e
mais, diz lá que o filme é baseado num “Best Sellers”, ou seja, num livro bem
conhecido, mas que não li, pois ainda não está em domínio público, então não dá
para baixar gratuitamente (contenção de despesas em tempos pandêmicos). E, por
fim, completei minha pesquisa lendo algumas resenhas. Como o filme tem indicação
para o Oscar e é uma produção Netflix, encontrei muitas na net.
Antecipadamente, esclareço que não pretendo fazer uma crítica,
pois não tenho autoridade para isso e, muito menos, tenho a intenção de escrever
uma resenha desse filme, muitos já o fizeram. Minha intenção está relacionada a
reflexões que “O Tigre Branco” me trouxe. Coisas como a linguagem cênica, algo
que não foi abordado nas resenhas e críticas que li. É sobre isso que pretendo
discorrer.
Logo de início, chamou minha atenção a relação da técnica vibrante
de uma câmera em movimento tenso, buscando alcançar os planos em ângulos
improváveis, outra coisa, o corte logo na preliminar do filme, com um flash
Back e a metáfora dos frangos engaiolados e angustiados ante a visão da morte
certa nas mãos sanguinolentas do açougueiro. Essa composição, movimento de
câmera, planos tensos e os frangos angustiados pela proximidade da morte certa
me remeteu ao clássico, (clássico pelo menos para mim), “Cidade de Deus” dos diretores
Fernando Meirelles e Kátia Lund. Tais sequências, acredito, têm identificação
com o plano sequência magistral e inicial do longa brasileiro, e o corte para
um flash Back quando o protagonista se vê entre um bando armado e um galo em
fuga.
Viajando ainda mais nas minhas especulações, nos recortes de
planos curtos passando rápido e retratando a miséria e miserável vida da
população indiana com uma narrativa encadeada de forma irônica, identifiquei
uma relação com outro clássico nacional (este consagrado), o “curta” gaúcho
“Ilha das Flores” do diretor Jorge Furtado. Apostaria dez cruzados que o
diretor indiano do “O Tigre Branco”, Ramin Bahrani, é, pelo menos, um admirador
da tão escorraçada produção cinematográfica brasileira. E, por outro lado,
posso também concluir que a miséria tem por si uma linguagem alegórica própria.
Mas, além dessas especulações sobre a linguagem cênica da
fita indiana, outra elucubração que me veio foi com relação as mudanças dos
filtros de câmera que quase saturam as cores em determinados planos, ou ainda,
o esfumaçamento em tons azulado noutros. Por tudo isso inferi que a técnica
cênica adotada pelo diretor de fotografia está diretamente relacionada à
técnica pictórica clássica das artes plásticas: o Impressionismo. E, nessa
minha rápida pesquisa, não me surpreendi quando vi que assina como diretor de
fotografia o italiano Paolo Carnera, um italiano que, com toda certeza, é
herdeiro, ou pelo menos deu uns tragos na fonte do Neorrealismo italiano que,
por sua vez, tem intima relação com o Cinema Novo tupiniquim.
E, por essas referências, me atrevo a inferir, (de forma um
tanto irresponsável, admito), que “O Tigre Branco”, por todas suas referências,
não é uma crítica ou denúncia ao processo de ocidentalização vivido no
subcontinente indiano, como afirmam muitos de seus resenhistas. Acredito que
essa produção, não sei se intencional ou não intencionalmente, vai mais além.
Diria que “O Tigre Branco” é, por sua temática, uma alegoria da miséria humana e,
por conta de sua estética, ele se enquadra como uma obra “impressionista”.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirOlá. A paleta de cores usadas neste filme são como marcações do enredo. Interessante a percepção que não trata somente as mazelas Indianas, mas sim do ser humano, pois o vemos em todos os lugares. Grato pelo texto. Forte abraço
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