Um Conto de Amor no Dia das Bruxas

 Conheceram-se num trinta e um de outubro, Dia Nacional da Poesia, época em que as livrarias expõem em destaque livros de Carlos Drummond de Andrade e de outros tantos poetas, com textos de delicadas tessituras e que entre outros temas destacam a paixão e o amor. Coisas estas que coincidiam com  a ingênua e angelical personalidade do casal que, como personagens de um romance, se chamavam, ela Jezebel, ele Israel.  

Naquela noite, estavam os dois no ponto de ônibus aguardando o Circular Sete quando, depois de um raio que riscou o céu de chumbo, desabou uma chuva torrencial e somente Israel tinha guarda-chuva.

Aconteceu muito rápido a partir dai, foi amor a primeira vista e arrebatador. Motorista e cobrador do Circular Sete foram convidados para apadrinhar o compromisso.

A festa na laje da casa do pai de Jezebel foi regada com muito chope, tubaína, rissoles e juras de amor eterno.

O regabofe se encerrou com Israel enfiando uma aliança de ouro 18 no dedo anular da mão direita de Jezebel e na mão esquerda, ele completou entregando um folder propagandeando o lançamento dum prédio na Vila Mathias junto com um contrato.

Israel já havia pagado a primeira das duzentos e quarenta prestações dum quarto e sala cujas chaves seriam entregues dali a ano e meio, no mesmo mês que eles haviam marcado a data de casamento.

No trinta e um de Outubro do ano seguinte, no Dia das Bruxas,  época em que as vitrines das lojas se enchem de abóboras com sorrisos cavernosos junto a manequins tenebrosos com caveiras  e foices ameaçadoras, o oposto da ingênua e angelical personalidade de Jezebel e Israel. 

Românticos e ainda mais apaixonados, eles resolveram trocar presentes de aniversário de um ano de namoro no mesmo ponto de ônibus onde haviam se conhecido.

Dessa vez, a noite era clareada por uma lua cheia, brilhante e vermelha, augúrio de feitiços e sacrifícios.

Primeiro, Israel entregou sua caixinha embrulhada com papel laminado decorado com rosinhas douradas, em seguida, Jezebel lhe repassou uma outra caixinha, esta embrulhada num papel decorado com coraçõezinhos prateados.

Os dois desembrulharam seus presentes ao mesmo tempo e beijaram-se amorosamente, encantados com seus smartphones Samsung S 20. Imediatamente passaram a brincar um com o outro enviando recadinhos amorosos pelo WhatsApp.

Pouco antes do Circular Sete chegar, os dois resolveram gastar o tempo tirando umas selfies. Entretidos, entre beijinhos e fotos, não perceberam a aproximação da bicicleta.

Aconteceu rápido e nunca se soube como, os corpos dos noivos, caídos no meio fio foram encontrados pelos padrinhos de noivado, motorista e cobrador do Circular Sete. Junto ao casal degolado, apenas duas caixas de celulares Samsung vazias e papeis de presente amassados com coraçõezinhos e rosinhas ensanguentados. 


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Comentários

  1. Adorei o conto! Ao mesmo tempo em que voce se sente feliz com o casal vem um trágico final pra arrebatar tudo! Hahaha bem como a vida é! Parabéns pelo texto Ubiratan!

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  2. É...assim como estamos aqui, podemos não estar no momento seguinte...texto bem vida real mesmo! Abração!

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