Prólogo


Quando desembarquei do onibus e mergulhei na multidão esbaforida formada por pessoas apressadas que saiam e entravam na pequena rodoviária de concreto, um mausoléu sujo, feio e frio, eu fiquei duplamente decepcionado.  

  Desde que decidi retornar a Santos, depois de duas décadas vivendo longe, esperava reconhecer muitas coisas e ser reconhecido por algumas delas. 

 Entretanto, ao me postar junto a enferrujada e opressora grade que circundava a Praça dos Andradas, rápido eu me dei conta que tinha hegado a um outro lugar, aquele que deixara vinte anos antes já não existia mais, eu não reconhecia e nem me sentia reconhecido por nada. 

 Resoluto, não desisti e louco por rever um pedaço do passado, eu segui em direção a ele. 

 O salão do Carioca estava repleto, os freqüentadores, a maioria funcionários da prefeitura ou dos Correios, aproveitavam o intervalo do café da tarde e, como de costume, falavam alto e riam de forma espontânea. 

A combinação dos diálogos desconexos com o brilho da velha e reluzente máquina de café liberando uma fumacinha branca e o ambiente recendendo a pastel de carne produzia um cenário alegre de vaudeville. Mistura de risos com sanduiche de pernil assado.

  Essa irritante e ingênua incivilidade me encantou, eu me identifiquei com aquele lugar, rápido senti-me mergulhado naquele meio, diluído nele, eu fazia parte daquilo tudo. Ali, naquele burburinho caótico, naquele ambiente de fórmica cor de cenora, quente como café de máquina, fui reconhecido e ignorado como membro, não era um corpo estranho.

 Afinal, comendo um pastel de carne, tomando um chá gelado e cercado por aquela desleixada alegria, finalmente o passado se apresentou. 

  Então, fui tomado pelo gosto da saliva doce do meu primeiro beijo de língua em Maria Tereza, ela que me deixava teso e louco pelas lindas pernas. 

  Enjoado, também lembrei do primeiro porre de martini doce, noite em que vomitei até a alma no Canal Dois. 

  E ainda, me vi no Dois Sete Cinco da general Câmara o puteiro onde deitei com minha primeira mulher, uma puta risonha de bunda grande, chamada Doralice. Dona Dora, que nas matinês atendia a garotada do ginásio. 

  Lembrei dos carnavais que me esbaldei pulando na Ala das Odaliscas do “Favoritas do Sultão”, no Campo Grande.

 Recordei as muitas seleções de lentas que dancei cochichando palavras de amor juvenil nos delicados ouvidos das garotas que freqüentavam as domingueiras do Sírio-Libanês, tomei muita tábua ali.

 Enfim, satisfeito reconheci aquele Porto que um dia deixei e que agora, novamente, eu pretendia ancorar a minha vida. Decididamente, aquela cidade profana com nome de Santos é um Porto, pra mim, um Porto de Vidas.*



 *Prólogo do romance "Porto de Vidas" editado pela PEIXEVOADOR.

 



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