Postagens

Pelada

Imagem
  Cresci na vila São Jorge, entre Santos e São Vicente, por algum tempo ali foi o lugar que eu considerava um mundo, um vasto mundo pra minha pequena cabeça. Das coisas que me vem à mente quando volto em recordações a esse mundo, jogar bola no meio da rua numa chuvosa tarde de verão é a mais prazerosa. Nada melhor que você sentir as gotas da chuva lavando seu corpo suado e, melhor ainda, correr descalço sobre aquela rua de terra pontuada por poças encharcadas com um caldo morno.  Também é muito bom lembrar o sorriso escancarado da molecada correndo atrás de uma surrada bola de capão deslizando arisca por entre as poças.  E ainda muito melhor, quando no time adversário joga de beque aquela garota que você está “super afins”, minha nossa, é sublime!  Imagine a cena. Lá pelas tantas, esgotado, você olha pro céu e deixa que a água da chuva escorra pelo rosto em gotas grossas de uma água fria e límpida, revitalizado, você avança em direção ao gol e, repentinamente, surge a sua frente a bequ

Abayomi

Imagem
  A primeira vez que vi Sara, seu jeito exótico e extravagante, convenceu-me que se tratava de uma louca, por isso procurei me manter afastado, quase escondido, apenas observando.  Estranhei muito seu rosto negro, ébano como ela toda, ressaltado pelo sorriso largo e os lábios pintados de verde abacate.  Também estranhei suas vestes, a cabeça coberta com um chapéu esquisito, mistura de touca com panamá coberto com miçangas coloridas e pequenas bonecas penduradas, sua roupa, uma espécie de bata sobre calças pantalonas, as duas de tecido negro recoberto com as mesmas miçangas coloridas e bonecas do chapéu.   Enfim, a primeira vista acreditava que aquela mulher negra, coberta por vestes estranhas sofria de algum tipo de síndrome. Mas, rápido, vi que estava enganado e convencido de sua sanidade mental e de sua beatitude, procurei saber mais sobre ela.  Alienígena? Muitos me disseram que ela veio de outro planeta, alguns que ela é uma entidade travestida de mortal vinda da África. Perguntand

Milenarismo

Imagem
  Diz que o mundo vai se acabar. Ressabiado, vesti uma beca de linho branco com boca larga, botei uma camisa encarnada, calcei alpercata de couro polido, pinguei umas gotas de patchouli por trás dos abanos e cheirando aos anos setenta me mandei pras quebradas, azogueado fui pr’um baticum de louvação. O terreiro tava requisitado, só tinha entidade de presença. coisa muito da respeitosa. Os ebós eram de fartura e procedimento. Lá pelas tantas, depois dos ogans saudarem seus deuses, o coco levantou a poeira.  Com flores nos cabelos, as moças passaram a esvoaçar suas saias rodadas transformando o terreiro num jardim de rosas sem espinhos. Embriagado de ver tanta beleza e formosura, eu cai na roda e dancei feito um gira.  Passado outro tanto, perdido nesse roseiral me vi enganchado numa cigana com olhos de tigresa e lábios de mel, fiquei em torno dela parecendo um cometa desses que vai e que vem. Quando a lua se descambava lá pra trás da serra, eu e minha cigana com olhos de tigresa tomamos

Outdoor

Imagem
Aconteceu em agosto, para ser mais exato numa fria e chuvosa segunda-feira de agosto, mês intruso e agourento. Encharcada pela chuva fina, a avenida da Praia do Itararé estava com suas três faixas congestionadas. Imobilizados naquele engarrafamento de final de tarde, eu e um tanto de outros fracassados ansiávamos por chegar em casa.  Agarrado ao volante como o náufrago a uma boia de salva-vidas, eu me deixava levar pela maré de veículos. Desorientado, mirava meu rosto refletido no vidro do para-brisa tentando gostar do que via, não conseguia. Em pensamento me perguntava, quantos malditos agostos já havia passado e será quantos outros mais ainda enfrentarei? Aquele era apenas mais um agosto agourento que se repetia, frio e arrastado como a fila daquele, também maldito, engarrafamento.  Em determinados momentos minha melancolia era superada pelo pavor, retumbantes trovões explodiam em seguida aos aterradores flashs dos raios, tenho muito medo de raio. Provavelmente o final do mundo vai a

Mulheres

Imagem
 A aluna perguntou se eu poderia gravar, (na verdade ela gravaria), algumas palavras sobre as mulheres importantes da minha vida.   Imediatamente uma lampadazinha vermelha se acendeu em minha mente, um alerta do tipo:“atenção, cuidado com o que você vai dizer, pois ficará gravado!!”. Lógico que eu me dispus a fazer a gravação e fui sincero quando respondi que: “As mulheres mais importantes na minha vida são minha esposa Eliana, minha filha Juliana e minhas netas, a Dedé, a Lolô, a Lelé e a Lili, mulheres lindas, guerreiras e que juntas dão um sentido pra minha existência” Satisfeita, a aluna agradeceu e saiu. Provavelmente, foi gravar outros depoimentos do tipo. Bom, tudo isso pra dizer duas coisas, a primeira foi que eu esperava uma contestação por parte da aluna que não aconteceu, seguinte: ela não questionou por que não citei minha mãe? Pra essa questão minha resposta estava pronta, diria que “mãe não é mulher, mãe é mãe!”.  Já a segunda questão é a seguinte, como disse fui sincero,