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Milenarismo

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  Diz que o mundo vai se acabar. Ressabiado, vesti uma beca de linho branco com boca larga, botei uma camisa encarnada, calcei alpercata de couro polido, pinguei umas gotas de patchouli por trás dos abanos e cheirando aos anos setenta me mandei pras quebradas, azogueado fui pr’um baticum de louvação. O terreiro tava requisitado, só tinha entidade de presença. coisa muito da respeitosa. Os ebós eram de fartura e procedimento. Lá pelas tantas, depois dos ogans saudarem seus deuses, o coco levantou a poeira.  Com flores nos cabelos, as moças passaram a esvoaçar suas saias rodadas transformando o terreiro num jardim de rosas sem espinhos. Embriagado de ver tanta beleza e formosura, eu cai na roda e dancei feito um gira.  Passado outro tanto, perdido nesse roseiral me vi enganchado numa cigana com olhos de tigresa e lábios de mel, fiquei em torno dela parecendo um cometa desses que vai e que vem. Quando a lua se descambava lá pra trás da serra, eu e minha cigana com olhos de t...

Mulheres

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 A aluna perguntou se eu poderia gravar, (na verdade ela gravaria), algumas palavras sobre as mulheres importantes da minha vida.   Imediatamente uma lampadazinha vermelha se acendeu em minha mente, um alerta do tipo:“atenção, cuidado com o que você vai dizer, pois ficará gravado!!”. Lógico que eu me dispus a fazer a gravação e fui sincero quando respondi que: “As mulheres mais importantes na minha vida são minha esposa Eliana, minha filha Juliana e minhas netas, a Dedé, a Lolô, a Lelé e a Lili, mulheres lindas, guerreiras e que juntas dão um sentido pra minha existência” Satisfeita, a aluna agradeceu e saiu. Provavelmente, foi gravar outros depoimentos do tipo. Bom, tudo isso pra dizer duas coisas, a primeira foi que eu esperava uma contestação por parte da aluna que não aconteceu, seguinte: ela não questionou por que não citei minha mãe? Pra essa questão minha resposta estava pronta, diria que “mãe não é mulher, mãe é mãe!”.  Já a segunda questão é a seguinte, como diss...

Prólogo

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Quando desembarquei do onibus e mergulhei na multidão esbaforida formada por pessoas apressadas que saiam e entravam na pequena rodoviária de concreto, um mausoléu sujo, feio e frio, eu fiquei duplamente decepcionado.      Desde que decidi retornar a Santos, depois de duas décadas vivendo longe, esperava reconhecer muitas coisas e ser reconhecido por algumas delas.    Entretanto, ao me postar junto a enferrujada e opressora grade que circundava a Praça dos Andradas, rápido eu me dei conta que tinha hegado a um outro lugar, aquele que deixara vinte anos antes já não existia mais, eu não reconhecia e nem me sentia reconhecido por nada.    Resoluto, não desisti e louco por rever um pedaço do passado, eu segui em direção a ele.    O salão do Carioca estava repleto, os freqüentadores, a maioria funcionários da prefeitura ou dos Correios, aproveitavam o intervalo do café da tarde e, como de costume, falavam alto e riam de forma espontânea. ...

Conto de Natal

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  Falando em tom de encerramento, completou o professor: ─ Do ponto de vista da Dialética hegeliana, o confronto entre as classes sociais trata-se dum fenômeno natural, entretanto do ponto de vista da dialética marxista, a luta de classes é determinada pelo sistema produtivo capitalista. Deixando a sala de aula e correndo pra pegar o último "Butantan-USP", Josiel, em seu estado natural, ou seja, de inconformismo, pensava: “burguesia do caralho, essa!”.  E esbaforido, conseguiu se imprensar no vagão metálico do Metro na estação Barra funda que o levaria até a estação Sé e dali, se tudo desse certo, conseguiria pegar a também última composição que o levaria até o Jabaquara e finalmente o “bacural” do Rápido Brasil para Santos. Passava das duas da manhã quando finalmente chegou na sobreposta do Macuco,, só depois do banho percebeu o bilhete na mesa da cozinha deixado pelo Otoniel, despachante aduaneiro e companheiro dos rachas na praia do Boqueirão: “Passa no escritório...

TROPICAOS

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I Do psicodélico à psicanalhice, do tropicalismo à tropicaretice, do elitismo estamental, ao achaque neoliberal, da estultice do mobral, ao analfabetismo funcional. Nesse espaço temporal,  empreendi uma viagem visceral, devaneio lúdico, transcendental. II Planei por Macondo de Arcadio,  dos Buendia Em voo de condor, trespassei montanhas, vi em garras de abutres,  uma cabeça decepada, numa guerra “Bolivária”, peleja bruta,  nada solidária. III Contemplei céus de diamantes com nuvens cor de rosa. No horizonte cósmico  me assaltou o brilho  d’um buraco negro pulsante  que tudo absorvia. um rabo de arco íris sibilante, chicote de chiclete  que resplandecia, enquanto o Sargento Pimenta  em cabeças mais afeitas , reluzia. IV Nesse campo invernal, num solo árido,  semitropical Uma chama iridescente ardia, alimentada com mel e ambrosia. Saciava deuses à revelia. V Sob um sol sonâmbulo,  sombrio, Embriagado com vinho de acácias Viajei na cor...

Querer

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Quero tua boca pra beijar, tuas curvas pra viajar, teu precipício pra me jogar.

Vício

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Quando a vista já se mostrava turva  e não me interessava mais a luz,  ofereci um bombom de gergelim a ela.  Fustigado pelo brilho adocicado de seu olhar,  meus olhos ficaram viciados em olhar pros olhos dela.

Janela

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  Da minha pequena janela, vejo um porto sem naus, uma mesquita sem muezzin,  um campanário sem cruz, uma noite sem lua, um céu sem estrelas. Dessa minha janela modesta, numa fresta, vejo um espelho,  e nele, o nada que me resta.

Correção

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  A primeira vez que a vi,  fui tocado.  O tempo passou,  vi-me apaixonado.  Quando ela se aproximava,  eu calava sufocado. Resolvi escrever o que sentia,  confessar minha paixão.  Professora, ela leu,  corrigiu e devolveu. Pensou que era uma redação!

Origem

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  Quando tratamos da origem das coisas, invariavelmente associamos o tema ao “início”, entretanto é importante destacar que analisar a “origem das coisas” não significa buscar saber simplesmente o começo, ou seja, quando começou, onde começou ou ainda quem começou. Ao estudar as origens de algo, fundamentalmente buscamos estabelecer os “princípios”, coisa muito diferente de simples “começos”. Em 1968, eu era um moleque meio desajustado, morava na casa de meus avós maternos na Divisa dos Tambores entre Santos e São Vicente. Nessa época, a coisa mais valiosa que possuía era um tanto de revistas e gibis usados que guardava numa caixa de madeira. Na época, garotos da minha idade viviam na rua jogando bola, empinando pipas ou fazendo outros tipos de brincadeiras. Entretanto, meus avós eram muito rigorosos, não me deixavam sair por nada, com isso meu mundo se resumia ao quintal da casa na rua Divisória, acho que este era e ainda é o nome da rua larga que separa as duas cidades, do ...

FOME

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  No passado, saciado com tua gordurosa presença, escolhia os nacos mais saborosos de ti. Refestelado de todos os teus cremes e açúcares, satisfazia-me com doses mínimas de teu caramelo. Esgotado de ti, inventava dietas. Hoje, esfomeado por tua ausência, sedento por tua falta, clamo por migalhas tuas, por gotas de ti, por restos teus.

CLIMA

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